Houve uma época em que eu gostava de azeite de oliva. O cheiro, o sabor levemente adocicado, a textura, a maneira suave e lenta como ele escorria pelo vidro, a beleza dos vidros, a cor numa variação entre o amarelo claro-escuro e o âmbar. Eu salivava só de vê-los nas gôndolas ou sobre a mesa. Ainda gosto.Mas não salivo.
Houve outra época em que eu gostava de maças. A vermelha escura, lisa, brilhante, estriada de veremlho carmim com sabor doce, e delicadamente perfumado. Colhê-la com minhas próprias mãos provocava, além de uma intensa salivação, um frenezi na menina que eu, então, era..Ainda gosto. Mas não salivo.
Houve uma época, a mais distante de todas, em que eu era toda sorriso, um sorriso escancarado, largo, meus olhos brilhavam feito duas jabuticabas. Eu abria a janela do meu quarto só para ver o velhinho de barbas brancas, gorro vermleho, botas pretas, que passava nas noites estreladas de Dezembro na rua do meu bairro. E lá do alto eu o chamava - papai, papai Noel e seu olhar calava fundo em mim.
Houve outras épocas, outros gostares.Hoje me são indiferentes azeites, maças, papais nóies e tantos outros sentires.
Feito o poeta, eu que sou poeta menor, também digo:
"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero..."