terça-feira, 30 de outubro de 2012

Venham


Quando eu digo que venham, venham.
Venham todos
Os loucos e os santos.
Marias , Clarices,Helenas.
Pedros,  Antonios, Joãos.

Nomes? Que importam nessa hora.
Há lua, estrelas, silêncio.
É noite profunda,
O cálice está cheio.
A manhã será nossa.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Quem roubou o sorriso do palhaço?




Quem roubou o sorriso do palhaço

Quem? Quem?
Foi você? Homem vil.
De olhar astuto
Confesse. Vamos confesse.
Ou foi você?  Mulher de infinitas tristezas
De olhar longínquo.
Não. Nenhum dos dois.
Então, foi você menino do beco?
Do beco escuro.
Vamos, vamos eu preciso saber.

Há um artista ...

muitos.



domingo, 16 de setembro de 2012

Concordo com João Cabral quando ele diz:


Você vê os gregos: o Pégaso, o cavalo que voa, é o símbolo da poesia. Nós deveríamos botar antes, como símbolo da poesia, a galinha ou o peru — que não voam. Ora, para o poeta, o difícil é não voar, e o esforço que ele deve fazer é esse. O poeta é como o pássaro que tem de andar um quilometro pelo chão. Eu nunca quis ter emoção. Quando o sujeito fala em emoção, fala nesse tipo de emoção barata e fácil. Eu nunca quis ser um Casimiro de Abreu nem um Castro Alves. Não sou um instintivo, não sou um romântico. Eu me considero intelectual, um sujeito que vive para ler e, portanto, conheço bem a poesia das línguas que sei ler. De forma que, se o sujeito não encontra emoção naquilo, paciência, porque ele está esperando certamente encontrar em mim essa emoção romântica, confessional, a eterna poesia de dor. Isso é que o sujeito chama emoção. Emoção é outra coisa, existe uma emoção intelectual também.

Ideias fixas de João Cabral de Melo Neto, org. de Félix de Athaíde, Rio de Janeiro, FBN, UMC e Nova Fronteira, 2000.


domingo, 9 de setembro de 2012

POETAI, POETAS, POESIA!



POETAI, POETAS,POESIA

QUE A MORTE É NO DIA-A-DIA


toda palavra semeia
a flor do próprio veneno
e cada frase vagueia
na versão do seu momento
toda palavra retesa
a corda do próprio arco

Paulo José Cunha


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Poesia e Oralidade




Faz-se necessário salientar que a leitura, em voz alta, de poemas vai muito além de um simples declamar de versos com uma voz alterada.
Trata-se de dar corpo à voz presente em todos os poemas, além do uso de técnicas específicas, para que juntamente com a sensibilidade se possa transmitir a emoção e a beleza contida em cada verso do poema.




sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Portas Fechadas





E a chuva continuava molhando o verde do campo. O campo de meus pais. De meu país.  Da minha infância. Os campos de minha vida. Eu ali parada. Portas fechadas. Apenas olhando cada gotícula sobre a vidraça.  E lá fora. Os pingos da chuva molhando cada grão de areia. Os pingos da chuva molhando cada pedra, cada semente, molhando a vida, molhando o mundo. E minha alma encharcada.

sábado, 4 de agosto de 2012

“O rosto atrás do rosto”



À frente do rosto dele estava Um outro rosto desconhecido E o outro rosto não se movia. Então ele viu o outro rosto. E era lindo, o outro rosto. Ele ficou olhando, encantado com tanta beleza. Mas o outro rosto não se movia. Era tão bonito o outro que ele não resistiu a tentação de tocá-lo. Talvez não devesse, pensou. Quando pensou, já era tarde demais. Tinha estendido a mão para tocar devagarinho na pele do outro rosto. O outro rosto não se movia. Tão bonito, o outro rosto sob seus olhos e tão macia a pele do outro rosto sob seus dedos, que num impulso aproximou ainda mais seu próprio rosto. Tão próximo agora que conseguia sentir seu próprio hálito, como um vento miúdo fazendo esvoaçar os cabelos finos, perfumados, da cabeça do outro rosto. Mas o outro rosto não se movia. Com toda a suavidade que era capaz, e era muita, tomou entre as mãos o outro rosto e foi aproximando sua boca da boca do outro rosto. Até seus lábios tocarem nos lábios do outro rosto, à espera que a saliva da própria boca umedecesse também a boca daquele outro rosto.

Com a ponta da língua, tentou abrir lentamente uma brecha entre os lábios do outro rosto. Os lábios do outro rosto estavam secos e não se abriam. E o outro rosto continuava a se mover. Mordeu então a boca do outro rosto. Primeiro de leve, depois mais forte. Cada vez mais faminto, arrancando pedaços de uma maça vermelha. Mordeu os lábios, o queixo, e também as faces e o nariz e os olhos do outro rosto. Com doçura, com paixão, com ansiedade e fúria. Mas o outro rosto não se movia. Da mesma forma como tinha aproximado do seu o outro rosto, afastou-o com as duas mãos iradas. Uma das mãos segurou com força os cabelos finos, perfumados, enquanto a outra erguia-se para esbofeteá-lo uma, duas, várias vezes. Um fio de sangue escorreu do canto da boca do outro rosto. Que mesmo assim, não se movia. Então apanhou a navalha que trazia no bolso. Um click seco libertou a lâmina. E num golpe veloz, num único gesto, com todo ódio que era capaz, e era muito, cortou a pele macia do outro rosto. E o outro rosto, lavado de sangue, ainda assim não se movia.

Então apanhou a pedra que trazia no bolso. Ergueu-a no ar e com um golpe duro bateu na boca do outro rosto, para quebrar-lhe os dentes. Os cacos escorreram pelos cantos da boca, pedras num rio de sangue. Cortado, os dentes quebrados: o outro rosto não se movia. Então apanhou o estilete agudo que trazia no bolso. E com um golpe preciso, furou os dois olhos do outro rosto. Cortado, os dentes quebrados, olhos vazados: e não - o outro rosto não se movia.Afastou o próprio rosto e contemplou novamente o outro rosto. Embora destruído, o que restava do outro rosto era uma máscara morta sobre um outro rosto vivo. Estendeu as duas mãos e arrancou a máscara do outro rosto.Por trás da máscara, por baixo do outro rosto estava o rosto dele mesmo. Inteiro e sem ferimento algum, o rosto dele mesmo. E era lindo, o próprio rosto vivo por trás da máscara morta do outro rosto. Ele ficou olhando o próprio rosto. Ele estendeu as mãos e tocou o próprio rosto com todo carinho - e era muito, esse carinho - que era capaz. Foi então que o próprio rosto - que não era o outro rosto nem o rosto de outro, mas sim o próprio rosto vivo por trás da máscara morta do outro rosto - finalmente começou a se mover. E disse: Mais nítido que as ruas sujas, reata o hexagrama das cores do arco-íris suspenso no céu.


Caio Fernando Abreu 
(e eu)

sábado, 14 de julho de 2012

De pés e orixás


E pés cantam e dançam
Tambores e batuques
Meus orixás
Meus deuses
Dionísio me chama
Taça e vinho
Mãos e seios
Corpo e movimento
Sou
sangue
força 
riso 
Sou Eu
Eu sou


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Palavra corpo


Palavra presa
Confusos gestos
E nada dito

Espaço

Palavra solta
Bem dita
Bendita

Desejo

Palavra corpo
Palavra carne
Palavra vida

Volúpia

Um Homem  
Uma mulher
Pássaro em voo



quarta-feira, 21 de março de 2012

De casas e ruas


São apenas ruas.
São apenas vielas 
com ruas desertas,
um cão ao longe.

São apenas casas.
janelas e portas.
cores e formas.
E dentro um  mundo.

domingo, 4 de março de 2012

"SEMANA DA MULHER"


COM LICENÇA POÉTICA


Quando nasci um anjo esbelto, 
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
essa espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não , acredito em parto sem dor.


Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria.
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
 Adélia Prado

quinta-feira, 1 de março de 2012

"O menino que escrevia versos"


De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do o que sonhei?

Mia Couto

sábado, 28 de janeiro de 2012

Diante de mim


Preciso de Grotowsky
doçura e clareza de ideias.
Diante da questão:
O que busco?
Descobrir (me)
Ser

Preciso de outros
Muitos outros

Preciso de Pessoa
na minha pessoa
Diante da porta:
Qual a chave?
Abrir (me)
Ser

Preciso de Vivaldi
Intensidade, peso, alegria
Diante do mundo:
Qual a pergunta?
Viver (me)
Ser.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Dois corpos ou mais


Na rua o andar
É sempre igual
Uns mexem-se mais
Outros menos
Andar para frente
 Andar para trás, louco


No palco
Muda-se o andar
Saltos, pulos
só com um pé
com os dois
baixo,alto

puxa para cá
para lá
estica daqui
estica dali
Suspiro
Preparação corporal


Corpo e espaço
Dois corpos ou mais
Um pedido de piedade
Um choro estridente
Um abraço, um grito
Recria-se

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

CORPO E SOLIDÃO


Na pedra
Na ponte
No rio

Roupa e sabão
Trabalho e solidão

Na pedra
Na ponte
No rio

Cheiro e corpo
Corpo e pulsação

 pedra
 ponte
rio

domingo, 8 de janeiro de 2012

Imperativo Viver

Degas

Não era aquele o caminho?
Ainda assim eu o segui.
Outros aparecerão.
Outros apareceram.
Dúvida cruel.
O que se há de fazer?
Vacilar sempre.
Não resta dúvida.
Por fim, decidir.
Outro jeito não há
Entre o azul e o amarelo.
A margarida e a rosa,
A cidade e o campo.
Falar e silenciar.
Amar e desamar.
Imperativo viver.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Fortes e fracas.

A palavra forte.
vem do fundo do meu ser.
invade os espaços.
preenche o vazio.
vazio do ser.

A palavra fraca.
não sai, não vem.
fica presa no fundo da garganta
prenche o corpo.
o corpo do ser.

Vida e morte.
palavras fortes.
palavras fracas.